Wednesday, September 30, 2009

A Credibilidade do Brasil em Alta

A CREDIBILIDADE DO BRASIL EM ALTA


Os fundamentos da economia brasileira continuam a apresentar-se sólidos, conseguindo o Brasil enfrentar os distúrbios da actual crise económica mundial. O crescimento do PIB brasileiro em 2009 ronda os 3%, conforme o governo havia previsto[1]. A formação bruta de capital continua a aumentar expressivamente, os investimentos directos estrangeiros entram em grande volume e as reservas internacionais do Brasil situam-se em USD 180 biliões, nível nunca antes alcançado pelo país. Ademais, o Brasil melhora a sua capacidade de suportar os choques externos e o governo brasileiro prevê, mesmo, que o país, em até dez anos, assuma a liderança mundial na exportação de etanol e soja, superando inclusive os EUA no ranking do comércio internacional destes produtos, reforce a sua liderança na venda de açúcar e registe um salto nas exportações de milho[2]. O Brasil ultrapassou já os EUA em matéria de produção de ferro e café, tornando-se o maior produtor mundial destes bens, sendo ainda o maior produtor do mundo em biocombustíveis, sumo de laranja concentrado, carne de vaca e carne de aves[3]. O Brasil, uma das maiores democracias do mundo, largamente conhecido como o país do «futuro», nunca alcançava esse «futuro», em virtude das crises económicas e políticas. Agora, esta situação tem-se alterado. Galardoado como «investment grade status» pela Agência Financeira Standard & Poor[4], em Maio de 2008, o Brasil assume-se como um país sério, que tem adoptado políticas sérias, que cuida das finanças com seriedade, merecendo, por conseguinte, a confiança internacional, como Lula afirmaria após o anúncio da Standard & Poor[5].
Depois da Standard & Poor, foi a vez de outras consultoras avaliarem positivamente a economia brasileira. A 22 de Setembro, a agência de classificação de risco Moody`s anunciou que os papéis do Brasil são confiáveis para investir e que a crise internacional não provocou grande impacto sobre o mercado brasileiro de acções. Algo que os investidores já sabiam, pelo que nem sequer o índice Ibovespa registou qualquer reacção, numa aparente indiferença do mercado. Na realidade, a Moody`s apenas veio confirmar que o Brasil é bom pagador e a economia brasileira, cada vez mais forte, não foi afectada de maneira significativa pela crise económica mundial.
Deve dizer-se que a própria Fitch Rating, em Maio de 2008, já havia explicado que a elevação do rating reflectia a melhoria das contas externas e do sector público do Brasil, o que terá reduzido a vulnerabilidade do país a choques externos e de câmbio, fortalecendo a estabilidade macroeconómica e melhorando as perspectivas de crescimento para o médio prazo. No mesmo período, a agência canadiana DBRS tomou idêntica decisão.
As agências mundiais têm, assim, seguido a análise pioneira da Standard & Poor, que em Abril de 2008 colocara o Brasil na lista dos países seguros, elevando a nota do país de BB+ para BBB- (no item «moeda estrangeira a longo prazo»). No quesito «moeda local a longo prazo», a Standard & Poor havia elevado o Brasil de BBB para BBB+ e o rating para «moeda local de curto prazo» foi ajustado de B para A-3.
Apenas se mantêm as ressalvas de todas as agências relativamente à dívida pública, que é maior no Brasil do que em outros países BBB, bem como do desequilíbrio da balança fiscal, tratado com cuidado pela mais recente avaliação, da Moody`s.
Não obstante este «senão», todas as avaliações têm significado o reconhecimento da maturidade das instituições do Brasil e da política monetária, bem como da melhoria das tendências de crescimento do país.
É evidente que o Brasil necessita de alguns ajustes: reduzir as despesas, aumentar o investimento em infra-estruturas, facilitar o acesso ao crédito por parte dos produtores rurais e dos empreendedores em geral e estimular as empresas a cumprir com a legislação.
Facto é que, não obstante a necessidade desses ajustes, o Brasil tem percorrido um excelente caminho e as perspectivas são muito positivas. Espera-se, mesmo, que a Standard & Poor e a Fitch melhorem ainda mais as notas atribuídas ao país, até porque a política económica que o Brasil tem seguido tem-se mostrado acertada, capaz de responder às actuais pressões através de um uso adequado das suas reservas internacionais, da venda de Dólares nos mercados e da liberação de créditos compulsórios.
Segundo Eduardo Pocetti, da BDO Trevisan, “se os acertos forem mantidos e os ajustes necessários se efectivarem [o Brasil] ingressará de vez no selecto grupo das nações desenvolvidas”. Pocetti vai mais além, numa nota de esperança que partilhamos: “potencial nós temos e estamos provando que o país do futuro finalmente se dispôs a desempenhar o papel de «país do presente»”.

[1] Em 2007, a previsão da Administração Lula era de um crescimento do PIB de 5%. No final de Agosto de 2008, esse valor baixou para 4,5%, tendo o governo actualizado as previsões, no final de Novembro de 2008, para cerca de 3,7% e 3,8%, pela voz do ministro Paulo Bento, do Planejamento.
[2] O boom das commodities, designadamente de soja, é particularmente relevante no estado do Mato Grosso, que se transformou na vanguarda da marcha brasileira em direcção a um novo lugar na sociedade internacional global.
[3] Cfr. BRIDGES, Tyler; Brazil no Longer Longo n Potential and Short on Performance, in MiamiHerald, 12 de Novembro de 2008.
[4] Cfr. The Country of the Future Finally Arrives, in secção financeira do The Guardian, 10 de Maio de 2008, pp. 41.
[5] Afirmação de Lula, in idem, ibidem.

Friday, September 25, 2009

O Brasil e o «Caso Zelaya»

O BRASIL E O «CASO ZELAYA»

A crise está instalada no Brasil, entre oposicionistas e governistas em torno do «caso Zelaya». À versão oficial do «golpe de Estado», opõem-se os defensores da sucessão presidencial em resultado de procedimentos constitucionais.
O então presidente hondurenho, Manuel Zelaya, tentou aplicar, contra uma cláusula pétrea da Constituição, o modelo chavista de permanência no poder, viabilizada por referendo popular. Na época (Junho de 2009), já estava em curso a campanha para a sucessão presidencial, em que o candidato de Zelaya tinha pouquíssimas hipóteses de vencer. Este «golpe referendário» foi condenado pelo Congresso hondurenho e rejeitado pelo Supremo Tribunal. Facto é que, tendo a via bolivariana do golpe publicitário de Zelaya sido condenado pelo Congresso e rejeitada pelo Supremo Tribunal, mesmo depois de o referendo ter sido declarado ilegal, Zelaya deu ordens para que o mesmo fosse realizado e mobilizou para tanto o Exército. Violando a Constituição e a Justiça hondurenhas. Segundo as regras dessa mesma Constituição, Zelaya foi deposto e, no seu lugar, assumiu quem, segundo a hierarquia constitucional hondurenha, é o sucessor legítimo, Roberto Micheletti, presidente do Congresso, já que o vice-presidente havia renunciado para concorrer às eleições de 29 de Novembro. Zelaya foi assim expulso do palácio presidencial e do país, a 28 de Junho. Refugiou-se na Nicarágua.
Alegadamente criminoso, corrupto e ligado aos cartéis da droga, Zelaya, apoiado pelo presidente Hugo Chávez, regressou às Honduras e instalou-se na Embaixada brasileira em Tegucigalpa – onde permanece desde 21 de Setembro – com o apoio expresso do presidente Lula e do Itamaraty, que, seguindo Chávez, adoptaram o partido de Zelaya.
Também seguindo Chávez, Lula e o Itamaraty apelidam o sucedido nas Honduras de «golpe militar», enquanto a oposição refere ter-se tratado de um procedimento «normal» ao abrigo das leis hondurenhas. A oposição brasileira critica a posição da diplomacia brasileira, acusando Zelaya de utilizar as instalações da Embaixada brasileira na capital hondurenha para fins políticos. A verdade é que o número de pessoas abrigadas na Embaixada, que começou por cem e chegou aos trezentos, já foi substancialmente reduzido, não passando hoje (25 de Setembro) das sessenta pessoas. O governo brasileiro defende-se ainda dizendo que, mais do preocupar-se com o lugar onde se encontra Zelaya, a comunidade política brasileira deveria preocupar-se com o facto de haver, no poder de um país latino-americano, um presidente «golpista», criticando ainda a obsessão golpista do Império Globo, que ataca a posição do governo brasileiro por acolher e defender a democracia e a vida de Zelaya.
Também a comunidade brasileira nas Honduras, de cerca de trezentas e cinquenta pessoas, apoia o novo presidente e rechaça a medida do governo brasileiro, receando inclusive represálias e ataques de zelayaistas, patrocinados pelo presidente venezuelano. A comunidade lançou mesmo um abaixo-assinado de repúdio às medidas brasileiras, que apelida de «abuso de poder sem precedentes na política externa do Brasil», segundo documento que começou a circular na Internet nas Honduras a 24 de Setembro.
Segundo o governo brasileiro, a Embaixada do Brasil em Tegucigalpa «abriga» o presidente deposto das Honduras, que designa de hóspede, tendo já afirmado que o fará pelo tempo que for necessário. Entretanto, a Embaixada foi sitiada pelos apoiantes de Micheletti, ainda que o fornecimento de água, luz e alimentos esteja sendo assegurado.
Ainda de acordo com o governo brasileiro, os objectivos «golpistas» foram favorecidos pela inactividade da diplomacia Obama, conduzida pela secretária de Estado Hillary Clinton – que se tem apoiado em personagens duvidosos da Administração anterior, como Hugo Llorens e Thomas Shannon.
Facto é que o actual presidente Micheletti ainda não foi reconhecido por qualquer Estado – o Brasil, a ONU, a OEA e toda a comunidade internacional, incluindo os Estados Unidos, continuam a reconhecer Zelaya como presidente constitucional – e a iniciativa de Barack Obama de sugerir que o presidente costarriquenho Óscar Árias mediasse negociações entre Micheletti e Zelaya – através do Acordo de San José, que previa o regresso de Zelaya ao poder, num governo de conciliação nacional, com amnistia a todos os envolvidos na crise – fracassou, além de ter sido uma atitude que marginalizou a OEA.
Agora, o governo brasileiro reforça a sua posição, forçando um compromisso da Administração Obama com a democracia, e mobilizando a OEA e, sobretudo, a ONU, que a 24 de Setembro tomou as primeiras medidas concretas. Ainda que o debate do caso no Conselho de Segurança das Nações Unidas seja esperado para hoje, o secretário-geral da ONU, Ban Ki-Moon, suspendeu temporariamente a assistência técnica actualmente dada pela Organização ao Supremo Tribunal Eleitoral das Honduras, por considerar não haver condições para que neste momento se proceda a eleições credíveis e capazes de devolver a paz e a estabilidade no país. Ban Ki-Moon demonstrou ainda preocupação com as denúncias de violações dos direitos humanos nas Honduras, conclamando os michelettistas a respeitar os tratados e convenções internacionais, designadamente a inviolabilidade da missão diplomática do Brasil. O secretário-geral da ONU uniu-se ainda à OEA e aos líderes regionais em busca de um acordo que seja alcançado através do diálogo entre os actores políticos envolvidos, sendo certo que o primeiro contacto entre michelettistas e zelayaistas teve lugar ao final da manhã de hoje (hora de Lisboa), com Zelaya a declarar não reconhecer o governo interino até às eleições de Novembro.
A crise no Brasil está instalada. O que na verdade tem criado confusão é a acto, que a comunidade internacional tem considerado abusivo, de expulsar Zelaya do país pela força. Nisto reside a ilegitimidade do actual governo, sendo que, do outro ponto de vista, foi Zelaya quem violou a Constituição e, em abono da verdade, quando deixou as Honduras já não era presidente da República. Em torno destas posições inconciliáveis giram as controvérsias entre oposicionistas e governistas brasileiros, não sendo displicente a ideia de que, não obstante se poder atribuir algum ponto de razão a cada parte, não parece pertinente desconsiderar a postura da comunidade internacional e, especialmente, das Nações Unidas, com a qual se acomoda o governo e a diplomacia brasileiros. Mas a questão fundamental aqui, agora, e principal preocupação do Brasil e da comunidade internacional, é a solução da crise hondurenha, ou através do regresso imediato de Zelaya ao cargo de que foi deposto, ou, o que é mais provável, através do adiantamento do processo eleitoral de Novembro. Ainda relevante, é assinalar a consonância da posição de Lula e de Obama em torno da defesa da democracia na América Latina, não permitindo os golpes que caracterizaram a região em outros tempos.

Friday, September 11, 2009

A Integração Regional na América Latina

No início dos anos 1990, a integração regional na América Latina iniciou um novo período histórico. Os processos de integração/cooperação da América Central e dos países andinos foram reactivados, o Cone Sul estabeleceu o Mercosul, de objectivos ambiciosos, e o México, ao integrar o NAFTA, formalizou a sua separação da América Latina e iniciou uma estratégia de integração económica Sul-Norte, até então inexistente.
Dezanove anos depois, a integração e cooperação latino-americanas encontram-se numa profunda crise e, por toda a região, aparecem processos e ideias acerca da integração e cooperação regionais totalmente novas e apresentando alterações significativas do ponto de vista da forma e do conteúdo que os novos processos integram.
Por um lado, o esgotamento do modelo do regionalismo aberto – que havia sido adoptado, conforme visto, no início da década de 1990; sendo que nessa altura o modelo representava um modo coerente para a cooperação e integração na América Latina, guiando o ciclo da integração/cooperação regionais de 1990 a 2005 – é uma das graves razões para a crise na integração/cooperação regionais.
A onda de cooperações Sul-Norte – iniciada com a participação do México do NAFTA e prosseguida com a assinatura de diversos acordos de livre-comércio entre países da região e os EUA – também tem criado dificuldades à integração/cooperação na região.
Por outro lado, ainda, as posturas diferentes que os líderes dos países da região têm apresentado relativamente ao tema não contribui para diluir as dificuldades; sem esquecer os próprios dilemas e desafios que hoje se colocam aos processos de integração/cooperação da América Latina.
Neste sentido, é necessário analisar, não só os dilemas e os desafios que se colocam a esses processos hoje (e amanhã), não só os obstáculos que têm surgido a esses processos, como também as novas propostas que têm surgido, desde logo em torno da Comunidade Sul-Americana de Nações (CSAN) e da União das Nações da América do Sul (UNASUL), o seu potencial para articular um espaço económico e político comum e as dificuldades que esta iniciativa enfrenta.
Era, de facto, necessário criar uma organização regional mais ampla, com um quadro institucional mais amplo que o Mercosul, de modo a agregar as restantes nações da América do Sul que não participam plenamente do Mercosul, visando promover a realização de vários projectos de integração, não apenas de âmbito económico e comercial, como também do ponto de vista da integração das comunicações, da infraestrutura, dos transportes, energética, educacional, cultural, científica e tecnológica.
Neste sentido, foi lançado, em Cusco, em 2004, o projecto de formação de uma Comunidade Sul-Americana de Nações (CSAN), hoje UNASUL, que se pretende idêntica à União Europeia. Resultado da soma dos Estados-membros do Mercosul com os da Comunidade Andina e ainda o Chile, a UNASUL[1] seria criada a 23 de Maio de 2008, com a forma de uma organização internacional (regional) com personalidade jurídica. Dispondo de um Conselho de Chefes de Estado e de Governo, de um Conselho de Ministros dos Negócios Estrangeiros, de um Conselho de Delegados e de uma Secretaria Geral com sede em Quito, a UNASUL viria a ter também um Conselho de Defesa a partir de Março de 2009, constituindo um avanço significativo no sentido da coordenação de políticas entre os seus membros, marco no qual terá lugar a edificação do gasoduto Venezuela-Brasil-Argentina e do Banco do Sul.
Com efeito, a UNASUL, pretendendo desenvolver um plano energético e um banco de desenvolvimento, para promover a integração regional e garantir uma maior presença internacional dos seus membros, criou, a 10 de Março de 2009, na capital chilena, o Conselho de Defesa – Conselho Sul-Americano de Defesa – organismo de defesa comum destinado a promover a concertação no plano militar e prevenir crises regionais. Composto pelos ministros da Defesa das doze repúblicas que fazem parte da organização (Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, Colômbia, Equador, Guiana, Paraguai, Peru, Suriname, Uruguai e Venezuela), o Conselho terá também por função supervisionar as despesas militares de forma transparente, até porque essas despesas aumentaram 25% em 2008, atingindo os USD 50 mil milhões[2].
Neste contexto, é importante a América do Sul assumir-se como sub-região distinta da América Latina, através da UNASUL, a qual deve ter em conta o enorme potencial político de que goza. Afinal, são doze países dentro de um espaço contíguo, com uma população de quase 400 milhões de habitantes – o equivalente a 6% da população mundial – com integração linguística; uma região que tem das maiores reservas de água doce e biodiversidade do mundo, enormes riquezas em recursos minerais, píscicolas e agrícolas, com um território de cerca de 17 milhões de quilómetros quadrdaos – o dobro do território norte-americano[3].
Os objectivos centrais da UNASUL são o fortalecimento do diálogo político entre os Estados-membros e o aprofundamento da integração regional, especialmente no que se refere à integração económica e produtiva, mecanismos financeiros, desenvolvimento social, cooperação cultural e desenvolvimento da infraestrutura regional nas áreas dos transportes, energia e comunicações.
É evidente que não se podem, à priori, apontar garantias de que as debilidades que surgiram no Mercosul, na Comunidade Andina e na ALALC não se venham também a manifestar na UNASUL, mas como bem refere o Prof. Doutor Luiz Alberto Moniz bandeira, “la Unión Europea ha demorado 60 años para constituirse y aún asi hay países en Europa que no la integran, como Noruega, otros, como Inglaterra y Suecia que no aceptaron el Euro, y también Francia y Holanda que rechazaron la Constitución. No se puede comparar el Mercosur con la Comunidad Andina y la ALALC, pues son proyectos muy diferentes. El Mercosur es una unión aduanera, aunque todavía imperfecta, la perspectiva es la de evolucionar para un mercado común, lo que ni la Comunidad Andina ni mucho menos la ALALC se proponen”[4].
Por outro lado, sendo certo que a UNASUL não pretende hostilizar os EUA, é evidente que a sua constituição é uma forma eficaz de evitar a subordinação dos países do América do Sul aos EUA ou à União Europeia ou a qualquer outra grande potência – “solamente unidos los países de América del Sur podrán obtener mejor inserción internacional y tener peso en las negociaciones con otros bloques o potencias económicas”[5]. Neste contexto, Cuba, apesar de estar nas Caraíbas, na zona de influência dos EUA, poderá vir a integrar a organização – até porque não pretende voltar a estar económica e politicamente subordinada aos EUA como esteve antes da Revolução de 1959. O interesse de Cuba é aproximar-se cada vez mais do Brasil, como potência industrial, mas o seu regime não democrático impedirá o total envolvimento do país nos esforços regionais de integração, sendo certo que uma democratização do regime cubano não se prevê para um futuro a curto prazo.
Paradoxalmente, a UNASUL foi criada no momento em que a integração latino-americana enfrenta a sua pior crise desde o impulso que lhe foi dado no início da década de 1990. O que, se poderá significar uma tentativa de ultrapassar essa crise, poderá reflectir, igualmente, a crescente fractura entre a integração na América do Norte (cada vez mais ligada a Washington) e o projecto sul-americano de integração (subordinado à liderança do Brasil).
Na realidade, em grande medida a UNASUL resulta de um desenho brasileiro, embora ela ofereça, a todos os seus membros, grandes perspectivas estratégicas. Para além da liderança que confere ao Brasil, abre-lhe maiores mercados para as manufacturas brasileiras, assim como recursos energéticos, melhor acesso aos portos e mercados do Pacífico e uma crescente relevância da sua agenda global. Para o Chile, a UNASUL pode significar uma ferramenta regional para melhorar a provisão de gás do país, assim como limitar o potencial de conflito nas suas relações bilaterais com a Argentina e a Bolívia. Para esta, a UNASUL poderá funcionar como âncora de estabilidade, abrindo mercados às suas exportações de gás, atraindo investimentos estrangeiros em infraestruturas e melhorando o acesso boliviano aos portos chilenos do Pacífico. O Peru poderá vir a fortalecer, através da UNASUL, o seu papel como porta de entrada para os mercados do Pacífico, enquanto, para o Equador e a Colômbia, menos interessados na UNASUL, esta poderá proporcionar a diversificação das respectivas relações externas, até agora demasiado focadas nos EUA. Para a Venezuela, a UNASUL virá, seguramente, desenvolver as complementaridades económicas em matéria energética com o Brasil, fortalecendo, por outro lado, a influência regional de Chávez.
A UNASUL foi criada a partir do processo desencadeado pela Cimeira Sul-Americana de 2000, embora apenas tenha sido formalmente estabelecida em Dezembro de 2004, na Terceira Cimeira Presidencial de Cusco, no Peru, com o nome de Comunidade Sul-Americana de Nações (CSAN). Apesar do objectivo inicial ser avançar na convergência dos esquemas de integração numa área de livre-comércio sub-regional, a CSAN acabou por nascer com o objectivo de estabelecer uma forte e consolidada missão política à semelhança do exemplo paradigmático da União Europeia.
A UNASUL funda-se em três grandes componentes:
1. Coordenação política no campo da política externa dos Estados-membros;
2. Criação de uma área de livre-comércio através da convergência da Comunidade Andina, do Mercosul, do Chile, do Suriname e da Guiana;
3. Estabelecimento, em 2000, do Programa Regional IIRSA – Integración de la Infraestructura Regionale Sudamérica – pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento e pela Corporação Andina de Desenvolvimento, no sentido de criar redes de transporte sub-regionais e construir corredores inter-oceânicos na América do Sul.
Nas últimas cimeiras, a CSAN, depois apelidada de UNASUL, alargou o seu âmbito de actuação, passando a integrar, também, a infraestrutura energética; o objectivo de alcançar a convergência real das suas economias, por forma a ultrapassar as enormes assimetrias; e a cooperação financeira através da criação do Banco do Sul.
Não obstante o alargamento do seu âmbito de actuação, a UNASUL ainda é apenas a expressão de um regionalismo light de natureza intergovernamental. Até 2007, ela não teve qualquer Tratado Constituinte que lhe conferisse existência formal, tampouco, em termos políticos, um acordo estabelecendo um pequeno secretariado, o que apenas viria a ocorrer a partir de 2008. Assim, hoje, em termos comerciais, a UNASUL repousa sobre Instituições existentes de facto, especialmente as da Comunidade Andina e do Mercosul.
O grande obstáculo da UNASUL continua a ser, todavia, as diferentes visões que a Venezuela e o Brasil têm sobre a natureza, o conteúdo e o formato institucional que o novo processo regional deve apresentar. A Venezuela, com o apoio da Bolívia e do Equador, encara a UNASUL como a sucessora da Comunidade Andina e do Mercosul, constituindo-se como a alternativa ao modelo neoliberal seguido por estes dois processos de integração. De acordo com a visão venezuelana, a UNASUL deveria concretizar a criação de uma área de livre-comércio em 2010. O Brasil, com o apoio da Argentina, do Chile e da Colômbia, encara a UNASUL como um guarda-chuva para os esquemas integracionistas sul-americanos que já existem no âmbito do comércio, da infraestrutura, da energia e da cooperação financeira. Apenas em Abril de 2007, na Primeira Cimeira sobre Energia, decorrida na Ilha Margarita, na Venezuela, foi alcançado um acordo sobre o nome UNASUL como substituto da CSAN, o estabelecimento de um Secretariado Geral em Quito, no equador e sobre a designação de Rodrigo Borja como Secretário-Geral da nova organização.
Não obstante o acordo alcançado, em Abril de 2007, relativamente ao nome UNASUL como substituição da CSAN, os desacordos sobre o futuro da nova organização mantiveram-se.
A Venezuela seguiu mantendo os seus próprios projectos de integração: o Tratado Comercial dos Povos (TCP) e a Alternativa Bolivariana das Américas (ALBA), sendo que o primeiro, assinado em Maio de 2006 (entre a Venezuela, a Bolívia e Cuba), é considerado o instrumento comercial da ALBA, ainda que, em ambos, falte substância económica, especialmente em matéria de comercialização de petróleo e hidrocarbonetos a preços preferenciais, e ambos rejeitem os princípios do livre comércio, baseando-se em mecanismos de comércio compensado.
Ademais, a Bolívia, o Equador e a Nicarágua adoptaram uma postura pragmática relativamente aos projectos regionais de integração. A Bolívia segue firme na Comunidade Andina de Nações, procurando estreitar laços com o Mercosul, ao mesmo tempo que participa nas negociações da CAN com a União Europeia. Os acordos que o governo boliviano estabeleceu, em Outubro de 2006, com diversas companhias petrolíferas estrangeiras – incluindo com a brasileira Petrobrás – significam laços mais estreitos com a Argentina e o Brasil e o desejo de alcançar uma maior autonomia para o seu modelo energético e sua política externa. Também o Equador vem seguindo um caminho autónomo no seio da ALBA e do Tratado Comercial dos Povos, enquanto a Nicarágua prossegue uma estratégia que oscila entre a retórica radical e o pragmatismo de uma política externa que procura retirar vantagens do potencial petrolífero da Venezuela.
Os desentendimentos dos países sul-americanos face ao caminho a seguir em matéria de cooperação intra-regional não anulam o potencial dessa cooperação. Há ganhos potenciais efectivos na integração sul-americana, especialmente porque há países com grandes reservas (Bolívia e Venezuela) e países com necessidades crescentes de energia para sustentar o crescimento económico (Brasil e Chile).
Os próprios custos da não-integração afiguram-se gigantescos. Se poderão surgir disputas causadas pela escassez, poderá também crescer a incerteza em torno da dependência extra-regional face a mercados e fornecedores. Simultaneamente, há riscos e custos inerentes ao uso de vias alternativas prejudiciais ao ambiente, designadamente a opção nuclear, assim como menos vantagens para os governos que necessitam de recursos para prosseguir políticas sociais e produtivas. Exemplos destes custos e riscos são a crise energética por que o Brasil passou em 2001-2002 e as disputas entre a Argentina e o Chile em 2003-2004 em torno dos fornecimentos de gás.
Na realidade, a integração energética começou a afirmar-se um tema central na agenda da CSAN/UNASUL, num contexto internacional pouco favorável caracterizado pela demanda crescente, a instabilidade dos mercados petrolíferos, a guerra do Iraque, o risco de conflito no Irão, a crise económico-financeira actual e as crescentes preocupações em matéria de segurança energética. Neste sentido, a agenda regional relativamente à integração energética possui três grandes e centrais desafios: o planeamento e construção de infra-estruturas necessárias para ligar as reservas energéticas aos respectivos consumidores; o financiamento dessas infra-estruturas; e o estabelecimento de acordos de regulamentação comum e garantias legais para os governos e para os operadores públicos e privados.
Facto é que cada um tem perseguido o seu caminho. O Chile encara a integração regional como a melhor forma de garantir a sua segurança energética, por forma a ultrapassar os conflitos com a Argentina e com a Bolívia. O Brasil prossegue numa estratégia de auto-suficiência energética em torno da consolidação da Petrobrás como actor regional. A Venezuela cada vez mais adopta uma estratégia ideológica que visa angariar maior autonomia relativamente aos seus principais fornecedores (os Estados Unidos), assim como apoios para a liderança das suas alianças sul-americanas. Procurando controlar as principais reservas e mercados de gás da região, a Venezuela estimula a construção do Gasoduto do Sul, um enorme pipeline de gás entre a Venezuela, o Brasil e a Argentina, ao mesmo tempo que criou a Petrocaribe e a Pteroamérica no sentido de estabelecer joint ventures com companhias petrolíferas nacionais para vender petróleo com financiamentos preferenciais, e nacionalizou, unilateral e radicalmente, companhias petrolíferas bolivianas e a Petrobrás brasileira, visando alcançar uma posição dominante para a sua Petróleos de Venezuela, Sociedad Anónima – PVDSA.
Os desentendimentos em torno da integração energética atingiram o clímax na Cimeira Energética da Ilha Margarita, em Abril de 2007, quando o presidente Chávez desaprovou a preferência brasileira pelo etanol e pelos biocombustíveis. Mais tarde, em Novembro, quando o Brasil anunciou a descoberta de novas reservas de petróleo e gás em Tupi, na bacia de Santos, a Petrobrás rejeitou constituir – como desejava a Venezuela – uma joint venture com o complexo venezuelano de gás de Mariscal Sucre. Uma decisão que pode significar o fim do projecto do Gasoduto do Sul e o fim dessa aliança.
Apesar de serem as mais gravosas, no actual contexto internacional de instabilidade energética, estas divergências não são as únicas a obstaculizar a implementação de projectos regionais de infra-estruturas energéticas. O anel de gás sul-americano, que ligaria os campos de gás de Camisea, no Peru, aos países do Mercosul e ao Chile pode bem ser uma tentativa de conter as ambições energéticas do governo boliviano. Será, todavia, difícil, acreditar que tal projecto venha a ser lucrativo sem o gás boliviano. Outra dificuldade, que poderá inibir potenciais investidores no sector, diz respeito à inexistência de regulamentação energética comum aos países interessados.
Na realidade, em matéria energética, o enfoque tem sido colocado, não na integração, mas na inter-conexão – uma falta de ambição que poderá sair cara.
Além das dificuldades inerentes às questões energéticas, a UNASUL enfrenta ainda outras complicações.
Em primeiro lugar, a proposta venezuelana de criar o Banco do Sul, uma nova instituição financeira regional que ambiciona ser uma alternativa ao FMI e ao banco Mundial, foi rejeitada por alguns parceiros sob liderança brasileira. Proposto pelo presidente Chávez em Agosto de 2004, o Banco do Sul não passava de um financeiro destinado a conceder empréstimos contingenciais em situações de crise financeira e de um banco de desenvolvimento destinado a financiar grandes projectos em infra-estruturas. Não obstante o desacordo em torno da proposta, depois de longas negociações, o Banco do Sul viria a ser efectivamente criado em Dezembro de 2007, em Buenos Aires, ainda que questões importantes como os estatutos e a distribuição de votos pelos membros tivessem ficado por decidir. Assim, a nova instituição financeira da América do Sul não parece ser mais do que uma modesta instituição de crédito destinada a conceder empréstimos, com um tamanho e uma missão demasiado limitados. Uma redundância, se pensarmos nos 67 biliões providos pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID).
Estes desenvolvimentos revelam os limites dos projectos venezuelanos para a integração sul-americana. Apesar da gravidade dos problemas, o maior obstáculo ao fortalecimento da UNASUL será, porventura, a incapacidade de conciliação das lideranças brasileira e venezuelana no seio da nova organização, enquanto outros países delegam, num ou noutro, as suas responsabilidades, numa clara demonstração de falta de vontade em exercer influência. A Argentina de Cristina Kirchner tem estado absorvida em si própria e o Chile mantém-se na sua posição periférica em matéria de integração sub-regional. Dois exemplos apenas.
Será, todavia, difícil que a UNASUL ganhe relevância e influência internacionais sem uma clara liderança que a dote de um senso de direcção – o que nem a visão ideológica da Venezuela, nem a hegemonia benevolente do Brasil parecem capazes de promover.
Na acertada visão de José António Sanahuja[6], é a liderança brasileira que, a longo prazo, importa. Afinal, a conformação do espaço sul-americano deve muito ao desenho que o Brasil lhe tem impresso. A diplomacia e os actores estatais brasileiros, as entidades semi-públicas como o Banco Nacional de Desenvolvimento (BNDES) e a petrolífera Petrobrás têm corporizado a liderança brasileira da integração sub-regional, em função dos respectivos pesos políticos internacionais e, por conseguinte, a capacidade de influência das suas acções.
A tradição realista da diplomacia brasileira, presa à visão nacionalista dos interesses nacionais, assim como o peso económico e político internacionais que angariou, permitem-lhe perseguir os seus objectivos, regionais e globais, minimizando os custos e as concessões. Demonstrando preferência pela intergovernamentalidade e os acordos pouco institucionalizados, sem grandes compromissos em termos de comércio, finanças e política externa, o Brasil tem liderado o Mercosul e fortalecido as negociações com os EUA e a Europa, para além das próprias negociações multilaterais.
Na realidade, “… Brazil hás the advantage of having the economic and political clout to assume the real costs of regional leaership. The challenge is to design a Basic agreement about the future of South American integration capable of integrating the legitimate interests of Brazil and its global goals, ando f giving other countries enough political sapce and economic incentives do participate”.[7]

[1] O Tratado Constitutivo da UNASUL, que entra em vigor depois de nove dos doze Estados-membros o terem ratificado, tem um carácter geral. Tem vinte e sete artigos sobre os órgãos, os objectivos e os fins, sendo a forma de deliberação por consenso. O Tratado, em protocolo anexo, fala ainda da criação de um Parlamento Sul-Americano sediado em Cochabamba.
[2] Cfr. Mário Miranda, Agência Lusa, de Lisboa, 10 de Março de 2009.
[3] Cfr. Luiz Alberto Moniz Bandeira, em entrevista à La República Montevideo, Viernes, 23 de Mayo de 2008, año 9, nº 2917.
[4] Cfr. Luiz Alberto Moniz Bandeira, idem.
[5] Idem.
[6] SANAHUJA, José Antonio; From Open Regionalism to the Union of South American Nations: Crisis and Change in Latin American Regional Integration, exemplar cedido pelo autor, pp. 12.
[7] Cfr. Idem, pp. 13.